Luto


«(...)Tal como o bebé que perde o colo da mãe e assim ganha a liberdade de andar pelo seu próprio pé, as perdas que nos matam o romantismo, a crença na amizade, a crença na bondade da família, a crença de que alguém nos pode ajudar em momentos difíceis da vida, podem fazer nascer a gratidão, a tolerância, o amor-próprio, o amor pelo próximo, e a bondade no nosso coração. »
Anabela Morais, In my work na Pós-graduação de Processos de Luto: Abordagem Integrativa pela Faculdade de Medicina de Lisboa (a pós-graduação que mais amei fazer até hoje dia 23/12/2019)

O que é o Luto?

O Luto é um processo natural que ocorre sempre que há uma perda significativa na vida de uma pessoa. Essa perda pode ser de natureza diversa, como por exemplo, um ente próximo, um emprego, uma modificação corporal, uma alteração importante das condições de vida, etc.
O luto pode também constituir parte integrante de um processo de crescimento psico-emocional.
A evolução saudável de um processo luto visa a transferência, na esfera emocional, da vinculação em relação a um objecto perdido para memórias amenas das expressões dessa mesma vinculação (Rebelo, 2005).
Este processo é transitório, podendo ser conceptualizado de acordo com quatro fases (Bowlby, 1980; Gorrer, 1965 & Parkes, 1986, cit in Pereira & Lopes, 2005):
- Fase de Entorpecimento: consiste num período em que a pessoa se poderá sentir como se estivesse desligada da realidade, atordoada, desamparada, imobilizada ou perdida. Nesta fase assiste-se a uma negação da perda que poderá surgir como uma forma de defesa contra um evento de tão difícil aceitação;
- Fase de Anseio e Protesto: caracterizada por um período de emoções fortes, sofrimento psicológico e agitação física. Frequentemente assiste-se à manifestação de sentimentos de raiva dirigidos tanto a si próprio como a pessoas significativas;
- Fase de Desespero: constitui uma fase igualmente complexa que surge frequentemente associada a momentos de apatia e depressão, sendo que o processo de supressão destas reacções é muito lento. Por vezes verifica-se um afastamento das pessoas e actividades, falta de interesse, assim como dificuldades de concentração na execução de tarefas rotineiras. Os sintomas somáticos, tais como, insónias, perda de peso e de apetite, são recorrentes;
- Fase da Recuperação e Restituição: nesta fase deverá emergir uma nova identidade que permite ao indivíduo abandonar a ideia de recuperar aquilo que perdeu e adaptar-se ao significado que essa perda tem na sua vida. Verifica-se, então, o retorno da independência e da iniciativa. Apesar de a instabilidade ainda se encontrar presente nos relacionamentos sociais, nesta fase poderá haver investimentos em novas amizades e o reatar de laços antigos.
Apesar de o processo de luto ser aparentemente um mecanismo universal, cada indivíduo possui uma forma particular de o realizar, sendo que este processo varia consoante a faixa etária em que o individuo se encontra, o tipo de vinculação existente e as causas e circunstâncias da perda.
Existem situações em que o processo de luto não segue a evolução acima descrita, podendo ocorrer fixação numa das etapas e, consequentemente, a não resolução do luto.
Nestas circunstâncias, o luto permanece não resolvido ao longo do tempo, durante vários anos, por vezes, para o resto da vida da pessoa, interferindo no estado emocional da pessoa e condicionando significativamente a sua vida. Nestes casos, estamos perante uma situação de Luto Patológico.
Outros sinais que nos podem indicar estarmos perante uma situação de luto patológico, podem ser reacções emocionais e comportamentais desajustadas ou o adoecer psíquico e/ou físico.
Deste modo, o luto patológico caracteriza-se por uma diversidade de manifestações clínicas, nomeadamente (Parkes, 1998):
- Reacções de luto crónicas, quando há uma duração excessiva não se vislumbrando um término satisfatório;
- Reacções de luto inibidas, característico dos casos em que, apesar da pessoa ter tido uma reacção emocional na época da perda, tal parece não ter sido suficiente. Verifica-se posteriormente que a pessoa apresenta sintomas de luto em relação a uma perda subsequente (por exemplo, as "reacções de aniversário", etc.) mas a intensidade do luto é excessiva;
- Reacções de luto exageradas, nas quais a pessoa enlutada sente a experiência de luto como excessiva e incapacitante, recorrendo a condutas mal-adaptativas (estas respostas incluem perturbações psiquiátricas que se desenvolvem depois da perda);
- Reacções de luto mascaradas, que ocorrem em pacientes que apresentam sintomas e comportamentos que lhes causam dificuldades, mas que não são reconhecidos como estando relacionados com a sua perda. Esta forma de luto pode ser mascarada quer por sintomas físicos quer por sintomas psiquiátricos ou, ainda, por algum tipo de conduta disfuncional.
Quando se verificam algumas das situações atrás descritas, em que o processo de luto se desenvolve de um modo disfuncional e mal adaptativo, deve recorrer-se a ajuda especializada.
Nestes casos, torna-se necessária a implementação de uma intervenção específica, que pode incluir a utilização de psicofármacos e a psicoterapia.
A psicoterapia poderá constituir uma mais valia, na medida em que é um espaço no qual o paciente pode expressar a sua dor, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento de mecanismos internos que permitem superar as fixações ou bloqueios, com vista à aceitação da perda e a um reposicionamento no mundo real (Parkes, 1998).
Como vimos, o luto é um processo natural e necessário para o posterior equilíbrio emocional da pessoa.